TÁ FEITO!: Bernardo Edler conta os bastidores de transmissão histórica
26/08/2021 - 13:00
Por Bernardo Edler
“Hugo, você é diferente. E quem é diferente alcança resultados diferentes”.
De tudo o que falei, e olha que eu falei muito, somente estas duas frases da narração da vitória sobre o sul-coreano Jang Woojin ficaram na minha cabeça. Sei contar melhor o que vivi e não necessariamente disse ali naquela cabine. Sei o que a gente sentiu – e por “a gente” entendam comentaristas, assistentes de estúdio, coordenadores e vocês. Vocês mesmos, que estão lendo este texto e possivelmente assistiram àquela transmissão. Falaremos das duas frases, mas… Posso começar a história do começo?
Embarquemos então em uma máquina do tempo para 2016. O SporTV entregou 16 canais de cobertura olímpica, e eu, recém-promovido à função de narrador, estava no SporTV15. Ao longo de 12 dias e mais de 100 jogos, aprendi a amar uma modalidade sobre a qual eu nada sabia, e isto só foi possível com a ajuda e a amizade do Silnei Yuta e do Érico Duarte.
Aquela cobertura me ensinou também a lidar comigo mesmo. Controlar a minha voz (que quase perdi no terceiro dia), balancear emoções com informação e traçar um caminho que agrade leigos e praticantes.
Também naqueles dias fizemos visitas à arena em momentos de treino. Fui ver de perto a seleção brasileira e os diferentes países que aqueciam juntos. Conversei com alguns jogadores, mas sinto que aqueles minutos fizeram muito mais por mim do que exatamente pela transmissão da Rio 2016.
Ali, com os treinos borbulhando na véspera da estreia, fiz meu primeiro contato com nomes que agora parecem óbvios – Dima Ovtcharov, Vladimir Samsonov, Ai Fukuhara, Mima Ito, Ma Long, Zhang Jike, Ding Ning, e sim… Pasmem… Hugo Calderano! Eu fui aprendendo a trocar o pneu com o carro andando e cheguei ao jogo contra o Jun Mizutani bem melhor do que entrei dias antes, mas era só o começo.
Dali em diante, narrei praticamente tudo o que o SporTV transmitiu do tênis de mesa. Mundiais, Pan, Copas Pan-Americanas, Desafios. Em 2018, fui atrás das minhas primeiras raquetadas em um extinto projeto, e adquiri um conhecimento prático que me faltava. Fiz contatos, conversei, me mantive atento e atualizado. Durante todo este tempo que precedeu Tóquio, também mantive contato com os amigos do Time Calderano em busca de informações, calendário, bastidores.
Podemos voltar a 2021.
A reta final para a Olimpíada veio acompanhada da inauguração de um centro de tênis de mesa a 5 minutos da minha casa, comandado por atletas e ex-atletas cariocas. Além de tirar a poeira (e as borrachas velhas) da raquete, passei a conviver três vezes por semana com quem fez e faz a história do esporte por aqui. Mais que isso: gente que viu de perto o crescimento e o desenvolvimento do Hugo, ainda nos tempos de Fluminense.
Nenhuma federação, nenhum site protocolar e absolutamente nenhum post de rede social é capaz de me contar histórias com tamanho grau de detalhamento. Depoimentos sinceros, espontâneos, verdadeiros. Fiz perguntas, tirei dúvidas, cheguei com bolinha e raquete na mesa pra entender. Guardei toda aquela bagagem afetiva na mochila, e o jornalista aqui, que não anotou nada mas é bom de memória, levou tudo para a cabine. Chegava, enfim, a hora de usar todo aquele conhecimento a favor da transmissão.
Eu nem quis voltar para casa quando, passados alguns minutos da vitória do Hugo sobre Bojan Tokic, descobri que estava escalado para o jogo contra o Woojin – algo como sete horas depois. Tentei amenizar o cansaço, dormir no carro, mas não conseguia. Minha cabeça trabalhava como uma fábrica – a imagem é a dos desenhos animados, quando sai fumacinha pelas orelhas – e me vi no dilema de preparar ou não algumas frases em caso de uma vitória histórica.
Amigos, numa boa? Nem se eu quisesse. Foram cinco anos acompanhando, torcendo, assistindo, narrando. Seria impossível operar como um robô justamente no auge de tudo isso. Inimaginável cortar a corrente emocional. Tinha em mente tudo o que aquilo representava, mas decidi que era mais honesto comigo e com vocês deixar rolar como viesse na hora.
“Hugo, você é diferente. E quem é diferente alcança resultados diferentes”. Quem constatou nem fui eu, ou pelo menos não só eu. Estudos, depoimentos, mensagens trocadas, a confiança de quem acreditou no processo. Tudo apontava para aquela direção, e o emocional se encarregou de tornar o momento ainda mais intenso
Aliás, parênteses: que bom que a gente se emociona, né? Meu comentarista e amigo Ricardo Cebola foi às lágrimas no ar, instantes após o último ponto. A Valesca Maranhão, também amiga e comentarista que trabalhou na transmissão da TV Globo, também não segurou. Tentei me manter mais centrado até chamar o intervalo – inclusive porque em Olimpíadas é grande a chance de emendar em outra modalidade – mas não durei muito. Chorei ainda no estúdio e uns 40 minutos depois, no carro, ao ensaiar alguns stories. Salvei, ainda está tudo lá na minha rede social, e eu revisito os arquivos de tempos em tempos.
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Eu não sei se você sabe ou já me viu dizer em algum lugar por aí, mas eu amo muito o que eu faço. Muito mesmo. Só que momentos como os daquele jogo são justamente os que fazem tudo valer a pena, dão sentido ao que a gente faz. Lembro de largar o microfone na mesa, tirar os equipamentos e ficar meio atônito, meio aéreo, até que um tsunami emocional me pegou de jeito e eu só dei vazão.
A imparcialidade que me desculpe, mas não era o dia dela. 4 sets a 0 para o que a gente sentiu. Tensão, ansiedade, torcida, responsabilidades como comunicador. Tava tudo ali, esperando por um desfecho feliz. Como é que eu não vou chorar?
Se hoje temos vídeos destes bastidores, a ideia veio do nosso assistente de estúdio Bruno Teixeira, que lá pelo sexto set percebeu a tensão do jogo e a nossa. Ele estava atrás da nossa mesa e, silencioso, chamou minha atenção perguntando se poderia nos filmar. Àquela altura o Hugo tentava empatar o jogo após um 4-11. Eu narrava em pé, mão trêmula, mas entendi a ideia dele e obviamente embarquei. Tínhamos o feeling de que o registro valeria a pena. O resultado eu creio que vocês já tenham visto por aí…
Acredito que o Hugo pode buscar ainda mais em Paris. Também há muito espaço em mim para aperfeiçoar o trabalho. Mas já tenho muito, mas muuuito orgulho em ter sido o escolhido para estar aqui, contando esta história. E principalmente por ter sido a voz da modalidade em um momento tão especial, com um retorno simplesmente incrível de leigos e especialistas. Foram muitas as mensagens de apoio, de carinho e de agradecimento, mas eu não fiz nada que não tenha sido compartilhar o que senti e recebi de cada um.
Obrigado Hugo, obrigado Time Calderano. Vocês são diferentes!
Bernardo de Vasconcellos Edler é jornalista formado pela PUC-Rio em 2011 e Locutor Esportivo dos Canais Globo desde 2016. Narrou os Jogos Olímpicos de 2016 e 2021 pelo SporTV. É praticante amador de tênis de mesa.
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